Do Brasil profundo ao Brasil digital
14/06/2020 - Clodomiro José Bannwart Júnior
Do Brasil profundo ao Brasil digital
 
Um dos legados que os militares deixaram ao país foi a integração nacional por intermédio dos meios de comunicação. As concessões de rádio e de televisão nas décadas de 60 e 70 permitiram que o Brasil colocasse o debate político, na décadas seguintes, sob a mediação do rádio e da TV. Em que pese a manipulação ideológica e o marketing sempre pródigo a transformar aventureiros em salvadores da pátria, o debate político e a peleja pelo poder passaram, em boa medida, nos últimos trinta anos, na telinha da TV. Situação e oposição construíram suas narrativas mediadas por notícias paridas no quotidiano e reprisadas à exaustação ao sabor do ibope. O que seria da oposição nos anos 90 não fosse o denuncismo televisivo?
Foram os meios de comunicação de massa responsáveis pela integração do Brasil profundo, dando-lhe cara de nação. Porém, o processo televiso de massificação sempre tratou os telespectadores com baixo nível cognitivo, não superior a uma criança de doze anos. O homem do baú se referiu assim, certa vez, ao seu púbico cativo. Os detentores dos meios de comunicação de massa nunca se ocuparam em ensinar, orientar e dar visão de conjunto do drama social brasileiro. Ao contrário, a aposta sempre foi na fragmentação, na exploração das tragédias miúdas, no sangue farto a engrossar a voz de apresentadores bufões. 
A religião também entrou nas fileiras das concessões apadrinhadas. Ajudou, na últimas décadas, a robustecer um país pentecostal, fazendo renascer uma fé disposta a eliminar adversários ao fio da espada, com pouca simpatia pela alteridade. Enfim, uma teologia evocada em benefício da prosperidade material, quando a maioria esmagadora da população engrossa as fileiras da miséria. Um discurso religioso torpe que mascara e oculta as causas da miséria de um país, cujos líderes sempre afagam os detentores do poder, sem esconder que também anseiam conquistar o poder graças a seus rebanhos cativos, presos por cabrestos que transmutam fé em votos.
Nos últimos trinta anos, pouco foi dedicado a assegurar noções de cidadania a um povo carente de formação e de informação. Nem a televisão, nem as Igrejas, nem as escolas e tão menos as Universidades conseguiram formar pessoas com qualificação para o exercício democrático. A política de agora, da era digital, foi transformada no picadeiro do caos, em um estado de desordem que reinam algoritmos e boots manejando a destruição de pensamentos, de reputações e de pessoas.
As redes sociais romperam do monopólio das notícias construídas, de forma direcionada, por editoriais. Como consequência, no entanto, produziram uma anarquia, um estado de natureza digital que tem contribuindo para minar a legitimidade democrática que deve acontecer na simetria entre direitos e deveres firmados no reconhecimento recíproco de sujeitos livres e iguais no espaço público. Se o rádio e a televisão mediaram a pauta política até aqui, é preciso, com certa urgência, calibrar o uso das redes sociais para que elas possam assegurar o exercício de uma cidadania digital, ainda por construir.
 
Clodomiro José Bannwart Júnior é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.
 
(Artigo publicado no Jornal Ecos de Sant’Ana, edição de julho de 2020)